“Transexualismo em criança dá direito à mudança de identidade” – decisão judicial

Ontem foi noticiado no Jornal Nacional uma decisão do Judiciário Matogrossense que acreditamos seja inédita no Brasil.

Que, de fato, já tenha ocorrido em outras situações isso é certo, todavia em se tratando de menores (absolutamente incapazes) é a primeira vez.

A menor (hoje já deve ser tratada no feminino, por direito) teve sua identidade de gênero modificada no registro de nascimento.  Nasceu menino mas sempre se identificou como menina não somente hoje, com 9 anos de idade, mas sempre, inclusive na mais tenra idade.

Seus pais que vivem do interior de Mato Grosso, em  uma cidade chamada Sinop (mais ou menos 420 km da Capital – Cuiabá) fez várias viagens para São Paulo durante esses nove anos para que o menino (hoje, menina) se consultasse com os melhores especialistas no assunto sexualidade (psiquiatras e psicólogos), para que ao fim fosse definitivo o diagnóstico de transtorno de identidade de gênero e orientação sexual. 

O que desejavam e desejam é a felicidade da “filha”, seja qual for a sua identidade. Disseram eles a reportagem do G1 em 04 de fevereiro do corrente ano.

Com o diagnóstico do Núcleo de Psiquiatria e Psicologia Forense do Instituto de Psiquiatria do Hospital  das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo em mãos entraram na Justiça, representando o então filho menor, com um pedido de mudança de identidade.

O pedido baseou-se no diagnóstico clínico mas também na percepção que os pais e todos que a rodeavam tinham dela.

Veja o que diz a reportagem do G1 MT(Pollyana Araújo em 04/02/2016)

"Desde bem pequena, ela tinha gestos femininos, apontava para objetos cor de rosa na TV, tirava o tênis do pé na escola para calçar as sandálias das colegas. Não aceitava vestir roupa de menino. Tirava o short e ficava de camiseta para ficar parecida com um vestido", contou a mãe.

Até então, a família o tratava como menino e o incentivava a se comportar como tal. "Pensava que era uma fase de criança que quer ser como a mãe, mas a fase não passava", disse.

No entanto, quando começou a crescer, a vontade de ser tratada como menina se intensificou, tanto que um dia, aos três anos, surpreendeu a mãe ao tentar cortar o próprio pênis. "Ela tentou cortar o próprio pênis com uma tesoura. Ela saiu do banho, passou perto de uma máquina de costura e pegou uma tesoura. [Ele] Se sentou e falou que queria cortar o 'piu piu' porque queria ser menina", contou a mãe.

Em busca de uma explicação sobre o comportamento do filho, a mãe fez pesquisas e na internet encontrou um documentário norte-americano, chamado "Meu eu secreto". "Depois de ver esse documentário, tive certeza de que meu filho era transexual. Ela afirmava o tempo todo que era menina", afirmou.

A aceitação por parte do pai veio primeiro. Juntos, eles começaram a procurar especialistas e descobriram esse ambulatório na USP, quando o menino tinha quatro anos. As idas para São Paulo eram mensais.
"
Levei fotos e vídeos dela registrados no dia a dia para o médico [psiquiatra] e logo ele me disse que se tratava de um transtorno de identidade de gênero e, desde então, começamos a tratá-la como menina, que é o que ela queria. Ela só queria ser o que ela era", declarou a mãe. 

No início, o combinado era ser tratada e se vestir como menina em casa e sair de casa como menino. Mas, segundo a mãe, a criança se sentia triste em ter que ir para a escola vestido como menino.

Certo dia, num domingo, ele pediu para os pais se poderia sair como menina em um horário que havia poucas pessoas na rua da cidade onde moram, no interior do estado. "Ele prometeu que ficaria dentro do carro para ninguém vê-lo, mas depois perguntou se alguém tinha o visto como menina. Aquilo nos tocou muito e, depois disso, escolhemos um nome de menina para ela", contou a mãe, que também decidiu mudá-la de escola para que não sofresse nenhum tipo de constrangimento por parte dos colegas.

A mãe tentou matricular o filho, já vestido como menina, em outra escola, mas não deu certo. Então, ela procurou o Ministério Público Estadual (MPE) e um promotor, que atua no município, a ajudou. Eles foram até a escola e fizeram uma reunião com a direção e os professores para definir algumas questões.

Na nova escola, o menino é tratado como menina. Também ficou estabelecido que seriam colocadas fechaduras nas portas dos banheiros para evitar que alguma criança descobrisse que ela tem os órgãos genitais masculinos. "Ela é uma menina. Tem os cabelos longos, lisos. Não tem como identificá-la como menino", pontuou a mãe.

O menino deve ser submetido a uma cirurgia para a troca de sexo quando completar 18 anos. E, com a decisão judicial que permite a troca do nome e gênero nos documentos de identidade da criança, para a família, a cirurgia será a única mudança necessária para, de fato, o menino se tornar uma menina.

Constrangimentos

Vestida de menina e com documentos de menino. Essa condição trouxe alguns constrangimentos para a família.

"No ônibus [de viagem], tínhamos que mostrar a certidão de nascimento de menino e ela não gostava e nós ficávamos esperando todos [os passageiros] entrarem, mas o motorista falava: 'vocês estão com criança, podem entrar primeiro', e eu ficava sem graça. Daí, o motorista falava 'cadê o menino'. As pessoas não tinham conhecimento. Ela [filha] ficava muito constrangida", lembrou a mãe.

Do mesmo modo, eram as consultas no posto de saúde da cidade. O constrangimento, de acordo com a mãe, era tanto, que ela não gostava de ir às consultas. "Ela não quer ir porque tem que mostrar o documento".

Os momentos mais difíceis foram os logo depois de aceitarem que ele se vestisse como menina. "Tive que contar a história para as pessoas mais próximas da nossa família e círculo de amigos. Para algumas pessoas, eu falava que tinha um casal e que ela tinha se enganado ao pensar que tinha dois meninos", explicou.

Na igreja que eles frequentam, inclusive, algumas pessoas sabem, entre elas o padre, que permitiu que fizesse catequese. "Conversei com o padre e ele deixou que ela fosse matriculada como menina. Ela faz catequese normalmente. Já passamos por muitas situações difíceis. Deus nos deu ela para que cuidássemos dela", avaliou a mãe. 

Decisão

Com a decisão judicial, a família deve procurar o cartório para fazer novos documentos. O juiz Anderson Candiotto disse em entrevista ao G1 que a sentença foi dada para garantir que a criança, assim como ela se vê na sua individualidade e na sua orientação feminina, seja respeitada e tratada da forma como é.

"Todas às vezes que ela fosse se apresentar oficialmente com o documento, sofreria discriminação e até rejeição. Seria uma pessoa totalmente feminina com nome masculino, o que sempre geraria constrangimento à ela", entendeu.

Por  Elane F. Souza Advogada (OAB-CE 27.340-B) e Autora deste Blog com Fontes do G1MT



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